No Coração Imaculado de Maria

 

 

Padre Tiziano do Imaculado Coração de Maria

Comunidade Oásis da Paz de Medjugorje

 

Neste momento de escrever, vem-me à mente o trabalho que um pintor deve fazer ao começar sua obra; ele deve alisar a tela rústica com material especial para torna-la acessível às cores. É uma fase muito importante: disto depende a qualidade da obra. Feito isso, o artista pode começar a pintar espalhando as tintas. Se o resultado não corresponde aos desejos do autor, ele cobre novamente a tela para começar tudo de novo. Na conclusão, as coisas refeitas não são percebidas, aliás, ajudam a tornar o quadro mais precioso e mais lindo. Este exemplo me ajudou a introduzir a história da minha vida, porque penso que o coração de cada um seja uma tela rústica, na qual Maria quer imprimir a imagem de Seu Filho Jesus.

Vivi a minha adolescência na paz e na serenidade graças à proteção do Senhor. De fato, muitas vezes desejei recordar esse tempo, quando mais tarde tive momentos escuros.

Naqueles anos a oração é espontânea, sem fadigas, e eu freqüentava a paróquia participando com muito entusiasmo das atividades pastorais. Aos dezessete anos, porém, comecei a perder lentamente o desejo de rezar e de aproximar-me dos sacramentos, mantendo-me, apesar de tudo, nos empenhos da paróquia.

Com isto sofria muito, porque minha fé também se reduziu a uma pequena luz; entretanto, no meu coração alguma coisa me fazia crer que fora de Deus nada podia existir.

Acreditava ter a consciência no lugar, mas em mim não havia paz e tudo perdia sentido.

Aos 25 anos rompi o namoro com a menina que amava, porque o casamento me parecia inútil (na adolescência o havia idealizado, mas agora que sentido teria enganar os outros ?)

Recordo que meu diretor espiritual dizia com freqüência:”Converte-te”. Mas eu não entendia o que significava, pois me achava um bom cristão e não entendia o que deveria mudar, mesmo sentindo que algo não estava bem. Mas o que ? A oração já estava reduzida a algumas Ave-Maria dita às pressas durante a semana. Confessava-me raramente, tinha perdido o sentido do pecado, não entendia mais o que poderia ofender a Deus. O meu coração tornou-se morno.

 

A CONVERSÃO

 

Finalmente o Senhor, no Seu Infinito Amor, colocou-me novamente na estrada através do filme de Moisés, no período do Natal. Com este filme, as primeiras barras de gelo do meu coração se derreteram. A música belíssima e a vida do povo de Deus errante no deserto me transmitiram uma nostalgia jamais vivida.

A noite, na escuridão, comecei a rezar com súplicas e prantos ao Senhor para que se fizesse sentir no meu coração. Passaram-se assim cerca de três meses, durante os quais começavam a despertar em mim coisas antes desconhecidas; via as coisas de uma maneira completamente diferente, desejava o amor a todos, aliás, queria ajudar a cada irmão para poder tirar-lhes o sofrimento.

Aqui começou a minha busca que durou até a escolha definitiva, passando através do deserto, da escuridão, da aridez, da tentação, do sofrimento e do pecado. Agora me dou conta de como Deus curava o meu crescimento através de etapas graduais. Num primeiro momento fui ajudado pelo serviço prestado no Centro Missionário de minha cidade, onde tive a oportunidade de viver com os jovens diversas experiências espirituais, em particular a que fiz em Spello na comunidade dos pequenos irmãos. Ali vivi a máxima “ORA ET LABORA”. Vivia no clima de silêncio e meditação bíblica.

Depois, fiz uma experiência em Taizé onde vivi um forte momento de ecumenismo. Dali fui para um leprosário franciscano na África Ocidental: Guiné-Bissau. Na pobreza encontrei a paz.

Voltando à Itália fiz um curso vocacional para melhor descobrir o que Deus queria de mim. Neste período, por graça de Deus, descobri outro tesouro, precioso e escondido:”A vida de oferta, humilde e silenciosa, das irmãs de clausura do único mosteiro de minha cidade”.

O Senhor tomou-me pela mão e, passo a passo, ensinou-me a rezar. Dedicando mais   espaço a Deus, diminuía o interesse pelo ativismo, mesmo se feito num perfil religioso. Oferecendo o meu tempo a Jesus encontrei um equilíbrio espiritual, não isento, porém, de sofrimento pela falta de clareza sobre a escolha que deveria ser feita. Continuava crendo que minha escolha deveria ser o matrimônio.

 

MARIA

 

Nesse tempo tomei conhecimento de um evento extraordinário: na Iugoslávia, seis jovens afirmavam ver Nossa Senhora. Muitos sinais visíveis e espirituais são verificados e confirmam. Esta notícia encheu meu coração de alegria e esperança, pois era prova de que Deus não esquecia da humanidade sofredora.

No início não pensava dirigir-me para lá, não conhecia a Iugoslávia e estava muito mergulhado nos meus problemas. Com o passar do tempo, porém, o meu pensamento estava sempre mais fixo para lá, também graças a leitura de um dos primeiros livros publicados sobre o assunto. Foi a gota que fez transbordar o vaso; li com o coração emocionado, apareceu em mim a decisão de partir. Sentia que nada no mundo podia impedir-me de chegar ao lugar onde Maria aparece todos os dias.

Cheguei a Medjugorje no dia em que se celebrava o terceiro aniversário da aparição, em 24 de junho de 1984 e ali permaneci dois dias. Meu coração explodia de uma emoção nunca sentida antes. Quando entrei pela primeira vez na salinha das aparições não conseguia nem levantar a cabeça de tanto que me parecia santo aquele lugar.

Na noite de 24 de junho, presenciei um sinal bonito e claro. Estava rezando na igreja quando vi o pessoal saindo agitado. Com curiosidade sai também e logo me dei conta de uma estrela no céu que pulsava de uma maneira inacreditável. Apagava-se e acendia mudando de dimensões. Foi um momento indescritível, as minhas pernas começaram a tremer diante da majestade de Deus que se manifestava também deste modo. Disse: “Senhor, Tu és grande, Senhor, és grande!”. O sinal durou quase duas horas, e durante todo o tempo os privilegiados presentes continuaram a rezar e a agradecer.

Deixei Medjugorje na manhã seguinte com o coração completamente renovado, com o único desejo de voltar o quanto antes. Eu chorava por deixar aquela terra e afastar-me de Maria. Depois desta peregrinação, Maria começou a ocupar o primeiro lugar em minha vida, mesmo se antes já a amava. Comecei a viver a sua mensagem, jejuando com amor e suplicando-lhe que dispusesse toda a minha existência para os seus projetos de amor em favor da humanidade. Invejava os que já tinham sido escolhidos por Maria para um seu projeto e me considerava indigno de tanta predileção. Isso não me desanimou e continuei rezando e pedindo. Dei-me conta que valia a pena abandonar todos os trabalhos extras que levava adiante na paróquia para dedicar-me à oração e jejum tão preciosos para Maria, e via isso como caminho seguro de salvação.

Prometi a mim mesmo voltar todas as vezes possíveis ao lugar das aparições, pois sentia ser fonte de água viva para o meu espírito. Assim, depois de um mês voltei para ficar 15 dias. Foram momentos indescritíveis. Rezava de uma forma contínua, parecia-me que o tempo em que não rezava era perdido. Rezar tornou-se tão importante quanto respirar, rezar era a minha vida, o sentido de tudo. Na oração, entreva em comunhão com Deus, com Maria... O que podia pedir mais ?

O certo é que somente ali poderia viver o dia exclusivamente na oração do coração e oração vocal, pois, voltando à Itália tudo seria mais difícil. Consegui, porém, participar todos os dias da Santa Missa e confessar-me frequentemente.

Freqüentei assiduamente o mosteiro beneditino de trieste, que contribuiu no crescimento de minha paz interior, através do recolhimento que encontrava naquele lugar e pela presença da irmã Madalena, que me guiava espiritualmente. Cultivei com muito amor a devoção a Maria recitando diariamente o terço, lendo livros que exaltavam Sua glória e explicavam, através da vida dos santos, a Sua importância no plano divino da salvação.

Na minha oração nunca faltava a consagração ao Seu Imaculado Coração, através do qual encontrava cada vez mais a sua proteção e a luz para orientar-me na escolha vocacional. Durante o dia repetia assiduamente:”Senhor, faz-me entender o que queres de mim que eu farei! Maria, faz de mim o que queres”. Estas breves jaculatórias me confortaram nas dúvidas, pois me diziam:”O Senhor e, muito mais, Sua Mãe não podem deixar de escutar a oração de um filho, pois o Evangelho diz:”A quem bate será aberto”. Então, se no meu lugar fosse Maria, Mãe de Jesus, a bater por mim, não podia deixar de ser atendido.

Maria tornou-se a Rainha do meu coração, tanto que não concebia nada mais sem a Sua presença. A imagem de seu rosto e suas mensagens tornaram-se, para mim, sempre mais importantes e muitas vezes o meu coração exultava só em pensar que era filho desta grande senhora, Mãe de Deus e onipotente de graça.

Transformei minha maneira de ser, tanto que até meus pais não encontraram explicações para tal mudança. Isto fez com que eles me acompanhassem em outubro para ver Medjugorje. Maria, mais uma vez, abriu uma brecha nos corações: os meus pais, entusiasmados com este encontro com Maria, começaram a rezar comigo em casa, coisa que nunca tinha acontecido antes. Depois desta viagem, seguiram-se muitas outras, sobretudo procurando luz para minha escolha vocacional. Assim, aconselhado por minha diretora espiritual, com a qual mantinha um relacionamento filial, decidi passar um período num convento frigento. Ouvi falar muito bem deste lugar. Logo me senti em casa e as semanas que passei nesta comunidade voavam. Naquela casa tudo era repleto de Maria, e os frades seguiam as pagadas de Maximiliano Kolbe.

 

SERVO DA SERVA DE DEUS

 

Esta experiência foi para mim muito importante, pois foi quase a confirmação daquilo que eu suspeitava ser o projeto de Deus para mim, o chamado a uma vida consagrada. Logo a idéia me apavorou, porém me dei conta da evidente paz nunca experimentada antes. Isto para mim era um sinal. Pois Deus é sempre (e só) a paz do amor. Temia que fosse uma auto-sugestão de minha soberba; parecia-me muito grande o dom que Deus me havia feito desde a eternidade, o de ser um seu consagrado. Agora o matrimônio perdia o sentido para ceder espaço à escolha religiosa.

Se este raio de luz me inundava de alegria, não faltavam também dúvidas e preocupações, que sentia no íntimo, temendo que a minha escolha não fosse inspirada pelo Espírito Santo. Devo agradecer a Maria pela segurança que me dava naqueles momentos, tomando-me pela mão, fazendo-me sentir sua presença muito de perto.

A ajuda materna de Maria se manifestou também através de irmã Madalena. Graças a Nossa Senhora ela conseguiu ajudar-me a superar os momentos escuros. Comecei a entender a importância dos conventos de clausura que o mundo não entende, porque as coisas de Deus são entendidas só pelos que o amam. Entendi como os conventos são “cadeias de amor” pedaços de paraíso onde o Senhor vigia na paz e na alegria as suas almas enamoradas.

Agradeço novamente ao Senhor por haver-me aproximado daquele Oásis de Paz constituído pelo convento beneditino, único conforto no deserto de minha cidade. Nas sucessivas peregrinações não provei mais o entusiasmo das primeiras, apesar de todas terem sido etapas importantes. Ás vezes tive a tentação de perguntar ao Senhor porque me deixava com tanta incerteza (mesmo tendo paz) e porque não me levava claramente na direção que Ele escolheu sem fazer-me esperar tanto. Nestes momentos me consolava pensar que Maria tinha acolhido em suas mãos a oferta de minha pobre vida e que antes ou depois alguma coisa teria acontecido, ao menos com tantas visitas feitas a Medjugorje. Consolava-me também pensar na contínua oração das irmãs beneditinas de Trieste. E foi na peregrinação, no dia 8 de dezembro de 1985 que Maria abriu as primeiras portas.

Os dias antecedentes foram cheios de tentações. O entusiasmo de partir era pouco, me tomaram a desconfiança e o modo de não encontrar uma resposta, mas não podia falhar na promessa de não deixar de ir sem motivos. O único motivo era minha pouca vontade de partir: claro que esta não vinha de Deus e ao era uma desculpa suficiente para me fazer falhar. Viajei com Stefano, irmão da minha diretora espiritual e agora co-irmão na comunidade. Naquela ocasião, conheci casualmente Padre Gianni Sgreva, meu atual superior. Durante a peregrinação a pés descalços no Krizevac, falei-lhe de minha difícil busca, de todas as peregrinações feitas para descobrir qual seria minha vocação e quais dúvidas e incertezas que ainda restavam. Como resposta conduziu0me a Anna Karin, uma menina belga carismática que, durante a oração, me antecipou alguns aspectos importantes de minha futura escolha de vida consagrada.

O encontro e a oração feitos com Anna Karin nos encheram de alegria. Aquele colóquio trouxe luz para todos os desejos mais profundos que eu cultivava com muito zelo no coração. Sentia em mim uma grande paz. Também o encontro com Padre Gianni não foi um acaso, mas o início da experiência central de minha vida. De fato, ele me falou da possibilidade de construir uma comunidade mariana que vivesse integralmente a mensagem e as indicações de Maria e que, ao mesmo tempo, como as primeiras comunidades cristãs, permitisse a existência de leigos e consagrados, homens e mulheres, celibatários e casados, sacerdotes e religiosas.

 

OÁSIS DE PAZ

 

Tudo deveria acontecer sob a proteção de Maria que, através da vidente Marija, tinha pedido a Padre Gianni que se preparasse com muita oração e silêncio para tornar-se instrumento da realização desse seu plano.

A Virgem, no entanto, fazia encontrar outros corações desejosos de colaborar com Seu projeto de amor. No ano que se seguiu, as viagens a Medjugorje se intensificaram. Sentia que minha vida se ligava sempre mais àquele povo croata, onde começava a ter profundas amizades com muitas famílias e com os videntes. Cada viagem que fazia oferecia a Maria pela nova comunidade que deveria nascer e para discernir a minha vocação.

Pedi à Virgem Maria uma única pérola do Seu tesouro, mas não imaginara que Ela me oferecesse todo o Seu tesouro. O pensar que Maria podia escolher-me como instrumento para realizar Sua obra encheu-me de grandíssima alegria, mesmo que não faltassem os medos e as dúvidas, que eram uma armadilha humana e não conforme a Vontade de Deus. Unido a isso houve as incertezas da novidade da obra dentro do interior da Igreja, que seguramente encontrou não poucos obstáculos. De todos esses acontecimentos, o sabiam meus pais e poucas irmãs do mosteiro que eu freqüentava.

Como Maria, eu guardava tudo no silêncio. A Obra do Senhor deve crescer no humilde escondimento para se tornar farol de luz no escuro. O projeto da comunidade prosseguiu encontrando plena adesão dos padres da paróquia de Medjugorje, os quais aconselharam e encorajaram Padre Gianni nas dificuldades presentes, dirigindo-as para a estrada que já se delineava claramente. Muito importante para nós era  contato com o mosteiro de Trieste, onde Irmã Madalena nos incentivou a prosseguir na obra, garantindo sua oração contínua e confirmando que era vontade de Deus.

Depois de tantas peripécias, Maria indica a casa. Sentia já próximo o momento de deixar a minha família, o meu trabalho, o relacionamento com Irmã Madalena que, em quatro anos, foi rico de alegrias e de dores.

Tudo me vinha com grande paz no coração, sentindo o sofrimento da separação. A tensão duma partida definitiva me fazia ficar impaciente, tão grande e forte era o desejo de aderir ao chamado de Maria e estar a sua disposição. A hipótese de pensar que não era esse o meu chamado não me assustava mais. Sentia-me muito devedor da Mãe Celeste por tudo o que Ela estava cumprindo em mim com a sua ternura e com o Seu Amor. Ainda não me dava conta de quantas graças Maria me concedia, fazendo-me sentir abandonado em Suas Mãos com o coração cheio de grande paz e entusiasmo. Desejava iniciar a vida consagrada e me sentia como um atleta carregado de toda musculatura para partir. Finalmente chegou o dia tão esperado e entramos pela primeira vez na casa de Maria levando uma imagem da aparição de Fátima. Nós a introduzimos ao centro da casa ainda cheia de pó e sujeira. A casa era velha, fria, abandonada.

Maria perdoará por tê-la colocado aí, tê-la feito Rainha deste lugar, mas não havia outro, isso era providência. Em troca consagramos a Ela todo o nosso louvor, na esperança de que nos encontre limpos, junto com Cristo e cheios de amor por Ela e pelo Senhor. Depois da oração inicial, que fizemos de joelhos na pobreza daquele lugar e com uma emoção que sufocava as palavras e inundava os nossos olhos, iniciamos imediatamente os trabalhos de limpeza. O dia era chuvoso e as condições pouco acolhedoras, nos sentimos como se fôssemos crianças nos braços da Mãe nessa casa.

Nestes tempos extraordinários, o Senhor dá verdadeiramente tantas graças e chama a seguir Maria, especialmente depois desse ano mariano, todos os que desejarem abrir-lhe o coração. Eu sou um beneficiado do Amor de Maria, e me dou conta de que esse Amor me aproxima cada vez mais de Jesus. Ponho totalmente minha confiança na minha cara Mãe, oferecendo-me diariamente. Considero um grandíssimo privilégio e honra estar na dependência de uma grande Senhora. Eu, que não sou nada, como posso merecer tanto ? O Senhor é imenso!

 

Padre Tiziano do Imaculado Coração de Maria – Comunidade Oásis da Paz de Medjugorje

 

Retirado da Revista Shalom Maná – número 43 – Janeiro de 1995